A cobertura mediática dos incêndios de 2017 foi adequada?
12 Outubro 2018
Assinala-se, no dia 15 de outubro, a passagem de um ano sobre os graves incêndios que vitimaram 50 pessoas e deixaram feridas outras 70. Uns meses antes, em junho, uma catástrofe semelhante havia tirado a vida a 66 pessoas e ferido 253. Em conjunto, estes números fizeram de 2017 um ano terrivelmente único.
A cobertura mediática dos incêndios, das suas consequências e de todos os processos de financiamento e reconstrução foi intensa e exaustiva, embora enquadrada pelas limitações decorrentes da profunda crise no sector e por uma eventual dependência em excesso de uma produção relacionada com a gestão política (como resulta claro do estudo exploratório realizado pelo Communitas).
Numa análise necessariamente simplificada poderá dizer-se, por um lado, que o esforço realizado por redações já muito emagrecidas foi assinalável, envolvendo, nalguns momentos e em casos específicos, mais de metade dos recursos disponíveis, e que se percebeu um empenho especial na atenção a histórias centradas na dimensão humana da tragédia. Neste aspeto em particular será sintomático o facto de que, no imaginário comum, a tragédia foi sintetizada numa imagem do fotojornalista do diário Público, Artur Miranda, que nos apresenta apenas um homem, rodeado de destruição (a este propósito, também no Público, Maria João Lopes assinou uma crónica em que escreveu: “A fotografia do Adriano devolveu algum silêncio à tragédia. E com isso falou mais alto do que todos os que berram nas redes sociais. Berram contra o Estado, contra o Governo, contra a esquerda e a direita, contra o tempo, contra os jornalistas. Berram soluções. Com a fotografia que tirou, o Adriano não descobriu a maneira de acabar com os incêndios em Portugal, com a fotografia que tirou o Adriano não descobriu nada, mas destapou tudo”).
Além disto, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aprovou em julho um guia de boas práticas para a cobertura mediática de incêndios florestais e outras calamidades e, no espaço de tempo que entretanto decorreu, o jornalismo nacional não retirou o tema da agenda pública, acompanhando, na generalidade com especial atenção, os desenvolvimentos políticos, as iniciativas de auxílio e reabilitação e, já em 2018, as alegadas irregularidades nos processos de atribuição de subsídios.
Por outro lado, pode dizer-se também que a concentração de recursos humanos no tratamento de alguns incêndios deixou praticamente sem cobertura outros (a inusitada chegada do fogo à terceira maior cidade do país, no dia 15 de outubro, praticamente passou despercebido aos média de expansão nacional, incluindo os da empresa prestadora de Serviço Público), que a falta de jornalistas especializados em Ambiente / Território / Proteção Civil tornou a produção mais genérica e mais semelhante entre si, que a permeabilidade ao enfoque político foi, ainda assim, maior do se exigiria numa situação tão excecional e que os média ficaram aquém do necessário na promoção de debates alargados sobre razões estruturais, sobre alteração de comportamentos cívicos, ou sobre ordenamento do território em linha com os objetivos do milénio, propostos pelas Nações Unidas.
O debate aqui proposto teve também expressão num evento que decorreu no dia 15 de outubro, na Universidade do Minho. Poderá rever esta discussão sob o tema genérico “Incêndios: o que mudou num ano?”.
O debate online continuará aberto até dia 26 de outubro, pelo que o convidamos contribuir com a sua opinião. Participe!
[Texto atualizado a 16 de outubro de 2018]
Por um lado...
– Muitas redações e jornalistas acompanharam de modo notável o evoluir dos incêndios;
– Não foram esquecidos os cidadãos afetados, havendo um acompanhamento das suas estórias;
– Acompanhamento sistemático da evolução da situação;
– Papel de escrutínio após o rescaldo, verificando se as medidas propostas haviam sido postas em prática (aplicação de fundos e escrutínio da validade da sua atribuição).
Por outro...
– Falta de meios para dar atenção aos incêndios em pontos diversificados do país;
– Quase inexistência de jornalistas especializados em questões de Ambiente e/ou ordenamento do território tornou a produção mais genérica;
– Permeabilidade ao olhar político;
– Pouca promoção de debates alargados sobre as causas estruturais dos incêndios e/ou sobre alterações de comportamentos cívicos.
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Pontos fortes :
-cobertura dos incêndios;
– sensibilização à população;
Pontos fracos:
– Num teatro de operações muitas das vezes não estão no local recomendado pelo COS das operações;
– excesso de informação à população na cobertura dos incêndios;
– há um excesso de zelo no que concerne à informação sobre o IPMA e existe a causalidade de pastoreio. Pelo que a passagem desta informação deve ser filtrada mediante as causas de incêndios à população.
Há, de facto, aspectos que parecem ter melhorado um pouco (mais cuidado e maior atenção à dignidade das pessoas) mas há – sobretudo nas TV’s – uma enorme propensão para o ‘investimento’ em imagens impactantes (de fogo).