A imprensa em Portugal – os cenários da crise e os desafios

22 January 2018

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As empresas de imprensa em Portugal enfrentam uma situação económica difícil: não conseguem monetizar a distribuição digital dos seus conteúdos jornalísticos e as receitas publicitárias estão em queda acentuada. Alterações nos hábitos de consumo da informação, mas também uma alteração profunda das condições de mercado, ditaram transformações muito significativas. Há futuro para a imprensa em Portugal?

Texto de Elsa Costa e Silva (investigadora do CECS)

Imagem de Igor Ovsyannykov (uso livre)

O anúncio, nos últimos dias de 2017, de que o histórico grupo de media Impresa estava vendedor do segmento das revistas não pode ser considerado surpreendente dada a evolução da situação financeira e económica deste ativo do grupo. O atual modelo de negócio da imprensa, baseado em receitas de circulação e receitas publicitárias, apresentava grandes fragilidades há muito. Para isso, contribuíram as alterações a nível do estilo de vida e do consumo (Franklin, 2008), também potenciadas pela digitalização e pela crescente penetração da internet na vida quotidiana da população. O consumo de informação passou a ser feito crescentemente online, em qualquer momento, e já não dependente das periodicidades habituais dos meios de comunicação tradicionais. Por outro lado, essa possibilidade de consumo foi, de início, disponibilizada de forma gratuita aos leitores que se habituaram assim a uma cultura do grátis, que tem sido muito difícil de reverter.

Deste modo, o abandono do papel levou ao abandono de uma filosofia de consumo pago, porque se gerou e propagou a ideia que no online tudo é de graça (Nguyen, 2013). Há experiências de algum sucesso no que toca a jornalismo pago na internet (como site mediapart.fr ou o aumento das subscrições digitais do Financial Times e do New York Times), mas esta receita não pode ser replicada de forma descontextualizada a toda a oferta jornalística e tem sido muito difícil aos publishers conseguir que os leitores se disponham a pagar por informação online de uma forma generalizada. Uma das áreas de investigação científica em desenvolvimento tem justamente a ver com a identificação de fatores que levem os leitores a pagar por informação noticiosa online.

Por outro lado, outra fonte de receita essencial aos media, a publicidade, passou igualmente por uma transformação profunda no modo como é disponibilizada aos potenciais consumidores. Os motores de busca (como a Google) e as redes sociais (como o Facebook) são hoje empresas globais de publicidade e marketing e desenvolveram novas ferramentas para dirigir anúncios através da construção de perfis de consumidores, traçados com base em toda a informação que é gerada pela presença online (interesses manifestados, pesquisas, gostos e partilhas, geolocalização e subscrições) (Fuchs, 2012). Oferecem assim soluções mais personalizadas aos anunciantes, criando uma concorrência, difícil de vencer, aos sites noticiosos que, enquanto, plataformas de publicidade, são meios de massas que tratam todos os potenciais consumidores de forma indistinta. E é por isso que, por exemplo, quem pesquisa ou escreve a palavra férias, em e-mails ou posts, recebe logo de seguida no feed da sua rede social publicidade a cruzeiros e pacotes de viagens.

A diminuição do consumo de revistas e jornais em papel e a incapacidade dos títulos em conseguir monetizar a presença digital, ao mesmo tempo que as receitas publicitárias estavam em queda, são as principais razões para explicar a situação deficitária a que chegou grande parte dos títulos em Portugal. A este caldo de circunstâncias tecnológicas, sociais e económicas em que os media nacionais se viram mergulhados, ao qual já se chamou de “tempestade perfeita”, juntou-se a crise financeira de 2007/08. Assim, quando considerada a imprensa tradicional, as perspetivas nessa matéria em Portugal não se apresentam muito positivas para nenhum dos grupos que operam nesse domínio.

Olhando, por exemplo, para o segmento do Publishing do grupo Impresa (o qual foi vendido ao novo grupo criado por Luís Delgado, excetuando o semanário Expresso que permaneceu no universo gerado por Francisco Pinto Balsemão), os números são exemplificativos das tendências atrás descritas. Desde 2007 até 2016, as receitas totais da operação de imprensa do grupo diminuíram 62%, com a queda nos rendimentos publicitários a justificar grande parte das perdas. E este cenário não é excecional, é antes a regra nos grupos mediáticos portugueses. Segundo a informação disponibilizada pelos Relatórios e Contas dos grupos mediáticos portugueses, por exemplo, o Global Media Group (universo que edita, entre outros, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias) perdeu, entre 2007 e 2015, 56% das suas receitas totais e o jornal Público, no mesmo período, viu o seu volume de negócios diminuir 55%.

A diminuição da circulação em papel não quer, todavia, dizer que os indivíduos estejam a consumir menos notícias. Pelo contrário, a exposição a conteúdos noticiosos, em alguns casos até de modo inadvertido (como quando aparecem nos feeds das redes sociais devido a partilhas dos amigos), tem aumentado. Contudo, e como já foi referido acima, nem sempre as empresas conseguem a remuneração devida pela distribuição deste produto, e mesmo quando há publicidade inserida nos sites dos títulos informativos, o seu valor é muito menor do que era tradicionalmente o valor da publicidade em papel. Deste modo, a transição de leitores do papel para o digital não é compensada monetariamente. Atualmente, estima-se que o valor obtido pelos grupos com a operação digital ronde apenas os 10% das receitas totais, um valor claramente insuficiente para fazer face às perdas registadas. Ou seja, ainda é o papel que paga os produtos informativos, mas é no digital que está o futuro do negócio.

Outro número que também é indicativo da situação em que vivem os grupos de imprensa portugueses tem a ver com a proporção do bolo publicitário destinado à imprensa, que era de 13,4% em 2012 e de apenas 7,1% em 2016. A televisão continua a ser o meio privilegiado pelos anunciantes, mas a internet tem visto crescer a um ritmo acelerado o share de investimento publicitário a ela destinado. Ou seja, grande parte do crescimento da publicidade na internet fez-se, num primeiro momento, à custa da diminuição do investimento na imprensa, mas esta tendência vai acabar por afetar todos os meios de comunicação tradicionais, perturbando de forma muito significativa os modelos de negócio que ainda vigoram.

Outra situação muito problemática neste contexto diz respeito ao facto de a Google e o Facebook serem plataformas de distribuição, mas não de produção de conteúdos. Ou seja, agregam conteúdos produzidos por outros (nomeadamente dos utilizadores e das empresas jornalísticas) para atrair tráfego, mas não suportam os custos da sua produção, nomeadamente os dos conteúdos jornalísticos. Deste modo, retiram audiências aos media jornalísticos e tráfego dos seus sites, com evidente prejuízos em termos de captação de investimento publicitário. Por outro lado, sendo gigantes mundiais concentraram um grande poder que deixam os meios de comunicação tradicionais numa posição de negociação fragilizada.

Estas circunstâncias afetam os media tradicionais de uma forma generalizada nas sociedades ocidentais e Portugal não é exceção (Silva, 2014). Pelo contrário, Portugal é particularmente atingido por todas estas tendências porque, por um lado, é um país com uma tradição de baixos hábitos de leitura e, por outro, tem um mercado interno mediático pequeno (Silva, 2017) e com poucas potencialidades reais em termos de exportação – em produtos mediáticos, a proximidade cultural e linguística é muito importante e, dada a situação económica e política dos países lusófonos, não se abrem grandes perspetivas de desenvolvimento por essa via.

Portanto, qual tem sido a situação da imprensa em Portugal? Circulação em papel a diminuir, circulação digital pouco desenvolvida e publicidade em queda. Como têm os grupos reagido face a esta situação? Despedindo jornalistas[1] e, em alguns casos, fundindo redações. Estas medidas têm implicações sérias na qualidade do jornalismo, cuja missão é essencial em sociedades democráticas. Se periga o jornalismo, por menor dimensão da classe e pela sua crescente precarização, periga a própria democracia, porque não está assegurado o direito à informação, à diversidade e ao pluralismo, ao confronto de opiniões e pontos de vista. Operando em contexto de mercado, nas atuais circunstâncias, o negócio do jornalismo está em crise profunda. E não se vislumbram, neste cenário, grandes soluções. Não parece que o mercado seja o local para resolver esta crise e, dada a importância do jornalismo de qualidade, merece uma reflexão profunda se deveríamos deixar apenas ao mercado a solução para os media jornalísticos e, em particular, para a imprensa.

A imprensa tem tido, tradicionalmente, um papel essencial no jornalismo: é o único meio totalmente dedicado aos conteúdos jornalísticos e tem uma função explicativa que não encontramos nos outros meios. Vale a pena salvar a imprensa? As evidências científicas dizem que sim. Podemos deixar que seja o mercado a encontrar os meios de salvamento? As evidências científicas dizem que esse caminho não parece viável. E há até sinais preocupantes nesta solução, porque os grupos endividados e fragilizados estão demasiado expostos a tentativas de controlo que podem ter motivações políticas de manipulação da opinião pública, que são um risco em contextos democráticos (Figueiras e Ribeiro, 2013; Silva, 2014). Vale a pena então perguntar se não há um papel para o Estado nesta equação e questionar as autoridades públicas sobre o futuro dos media em Portugal. Neste momento, o problema está nas mãos de todos e já não apenas das empresas.

 

[1] Pode encontrar mais informação aqui e aqui.

 

Referências bibliográficas

Figueiras, R. & Ribeiro, N. (2013). New Global Flows of Capital in Media Industries after the 2008 Financial Crisis: The Angola–Portugal Relationship. The International Journal of Press/Politics18(4), 508-524.

Franklin, B. (2008). The future of newspapers. Journalism Studies, 9 (5), 630-641. DOI: 10.1080/17512780802280984.

Fuchs, C. (2012). The political economy of privacy on Facebook. Television & New Media, 13 (2), 139-159. DOI: 10.1177/1527476411415699

Nguyen, A. (2013). Online News Audiences: the challenge of web metrics. In S. Allan & Fowler-Walt (Eds.) Journalism: New Challenges (pp. 146-161). Poole: CJCR Centre for Journalism & Communication Research, Bournemouth University.

Silva, E. C. (2014). Crisis, financialization and regulation: the case of media industries in Portugal. Political Economy of Communication, 2 (2), 47-60. Retirado de http://www.polecom.org/index.php/polecom/article/view/38

Silva, E. C. (2017). Press and the digital revolution: the challenges of the Portuguese market. Recherches en communication, 44, 31 – 48. Retirado de http://sites.uclouvain.be/rec/index.php/rec/article/view/10373