A saúde, o jornalismo e a COVID-19
11 March 2020
O ser humano preocupa-se com a sua saúde e ao fazê-lo procura prevenir a doença. Enquanto cientistas sociais, podemos (e devemos) equacionar o modo como estas preocupações se manifestam e como podem os indivíduos prevenir-se e favorecer o seu bem-estar. No momento atual, em que assistimos ao início do surto de COVID-19 em Portugal, esta preocupação com a saúde (por muitos chamada de histeria coletiva) é evidente. Partindo da ideia central de que o indivíduo se preocupa com seu estado de saúde e que é dotado da capacidade de comunicar, considero fundamental avaliar o papel da Comunicação e do Jornalismo em Saúde. É sobre estes dois ângulos que tenho vindo a desenvolver o meu trabalho científico no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade há quase uma década.
Texto de Sofia Gomes (investigadora do CECS)
E-mail: emilianasofiagomes@gmail.com
Enquanto área de investigação científica, a Comunicação em Saúde deu os seus primeiros passos entre os anos 70 e 90 do século passado, sendo considerada uma forma de resposta a interesses de ordem política e pragmática, no que diz respeito à promoção da saúde e à prevenção da doença (Zoller & Dutta, 2008). No caso específico de Portugal, o aparecimento desta área de estudos foi bastante tardio, o que gerou um atraso na produção de resultados científicos sobre o assunto.
Por isso mesmo, no nosso país torna-se premente o desenvolvimento de novas e eficazes estratégias de divulgação do conhecimento, nomeadamente do conhecimento na área da Comunicação em Saúde (Kreps, 2012). A investigação nesta área é dotada de um carácter intervencionista, na medida em que gera mudanças. Falamos, neste contexto específico, de alterações nos comportamentos individuais e nos estilos de vida.
Deste modo, parece-me óbvia a necessidade de equacionar o papel da Comunicação em Saúde através da sua expressão visível no Jornalismo em Saúde. E nesta equação, não é possível deixar de parte os conceitos de prevenção (da doença) e promoção (da saúde). A prevenção implica, como a própria palavra indica, uma ação prévia e antecipada, procurando reduzir o risco de doença. Já a promoção da saúde é associada ao processo de capacitação do indivíduo para atuar na melhoria da sua qualidade de vida (OMS, 1986). São, portanto, noções que culminam num objetivo último: o de fomentar a mudança de comportamentos dos indivíduos em prol da sua saúde. Trata-se, por isso, de dotar a sociedade da capacidade de responder eficazmente, de forma informada e consciente, aos problemas de saúde. Falamos, portanto, de aumentar os níveis de literacia em saúde da população.
Sabemos que a prevenção da doença e a promoção da saúde têm reflexo direto no nosso quotidiano, pelo que, sem dúvida, são revestidas de uma forte relevância social. É, aliás, sob o chapéu da prevenção da doença e da promoção da saúde que somos, nas últimas semanas, invadidos por inúmeras notícias sobre o surto de Covid-19 que teve início em dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan.
Este novo coronavírus não tinha sido até agora identificado em seres humanos, pelo que esta falta de informação causou um surto na cidade chinesa. De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS) portuguesa, “os Coronavírus são uma família de vírus conhecidos por causar doença no ser humano. A infeção pode ser semelhante a uma gripe comum ou apresentar-se como uma doença mais grave, como pneumonia”. A DGS refere também que “ainda está em investigação a via de transmissão. A transmissão pessoa a pessoa foi confirmada, embora não se conheçam ainda mais pormenores”.
Esta falta de conhecimento sobre a doença por parte das fontes oficiais e especializadas gera, inevitavelmente, um conjunto de reações por parte das populações, associando-se um certo histerismo provocado pelo número crescente de óbitos que vai sendo anunciado ao minuto pelos média. Estamos, portanto, perante vários fenómenos: a) o reduzido conhecimento científico da doença; b) as notícias internacionais reproduzidas pelos média que dão conta do progressivo número de mortes; c) as informações geradas pelas entidades públicas de saúde e pelo próprio governo português; d) o medo da população relativamente à chegada da doença a Portugal; e) a descriminação de que os indivíduos de origem asiática são vítimas; f) a falta de atuação preparada da população; entre outras situações igualmente relevantes.
De um modo geral, observa-se uma falta de preparação da população para lidar com esta doença: uns mostram-se demasiado apreensivos, outros demasiado despreocupados. Consequentemente, surgem fenómenos comportamentais adversos aos bem-estar das populações, como a corrida aos supermercados e às farmácias, a utilização desadequada de máscaras e de produtos de higienização e a falta de distanciamento social aconselhado pelas entidades de saúde.
É, pois, num cenário tão diverso como este que as entidades públicas – como o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde – e os especialistas – como médicos, cientistas e representantes de instituições – devem ser encarados como fontes primordiais de informação. A transmissão de informação correta e credível é, pois, essencial num momento como o que vivemos. Por outro lado, é igualmente importante que as populações estejam preparadas para saber distinguir quais as informações a considerar credíveis e quais aquelas que devem ignorar. É, portanto, aqui espelhado o nível de literacia em saúde das populações, resultando em comportamentos mais ou menos adequados à crise de saúde pública vivida.
Em jeito de conclusão, torna-se imperativa uma discussão mais fundamentada da qualidade do jornalismo que se desenvolve no campo da saúde. É igualmente fundamental confrontar os protagonistas deste processo – jornalistas, fontes e cidadão comum – com os resultados desta discussão. Temos, por isso, também nós – investigadores das Ciências Sociais – um papel ativo e fundamental na sociedade: o de empreitar alterações estruturantes no modo de mediatizar a saúde no nosso país.
Após quase uma década de estudo sobre o modo como atua o jornalismo impresso português no campo da saúde, acredito que a prevenção só atingirá bons resultados se estiver incluída numa sociedade bem informada sobre questões de saúde. Ora, por sua vez, esta literacia em saúde não é possível sem um Jornalismo em Saúde bem pensado e desenvolvido. Como referi, a Comunicação e o Jornalismo em Saúde trabalham em prol da saúde dos indivíduos, mas é imprescindível que o façam de um modo direto e proactivo. É igualmente indispensável que jornalistas e médicos trabalhem unidos em prol da promoção da saúde e da prevenção da doença, não esquecendo, obviamente, aquilo que distingue cada uma das profissões. É também necessário perceber o papel das fontes de informação no campo da saúde, pelo que urge apostar numa maior diversidade de fontes que atuem de forma proactiva, nomeadamente no que ao agendamento mediático diz respeito.
Este trabalho é apoiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do Financiamento Plurianual do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade 2020-2023 (que integra as parcelas de financiamento base, com a referência UIDB/00736/2020/, e financiamento programático, com a referência UIDP/00736/2020).
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons – Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional.
Referências bibliográficas:
Espanha, R.; Ávila, P. & Mendes, R. (2016). Literacia em Saúde em Portugal – 2015. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Gomes, S. (2019). Jornalismo e prevenção em saúde: retratos da imprensa portuguesa entre 2012 e 2014. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga.
Kreps, G. (2012). Translating health communication research into practice: the importance of implementing and sustaining evidence-based health communication interventions. Atlantic Journal of Communication, 20(1), 5-15. Doi: 10.1080/15456870.2012.637024
Leavell, S. & Clark, E. (1976). Medicina preventiva. São Paulo: McGraw-Hill
Organização Mundial da Saúde (1986). Carta de Ottawa. In Promoção da Saúde e Saúde Pública (pp. 158-162). Rio de Janeiro: ENSP.
Zoller, H. M. & Dutta, M. J. (2008). Emerging perspectives in health communication. Meaning, culture, and power. Nova Iorque: Routledge.