A presença de mulheres nos cargos de decisão autárquica na área da cultura

23 September 2021

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Para assinalar o Dia Internacional da Mulher, o PolObs começou a desenvolver em março de 2021 o projeto de investigação Presença de mulheres nos cargos de poder político, de decisão e de gestão na área da cultura em Portugal. Na dimensão do estudo que decidimos apresentar, em véspera de eleições autárquicas, procuramos identificar as mulheres que se encontram em cargos de decisão autárquica, nomeadamente, aquelas que dirigem os pelouros da cultura em Portugal. Procura-se compreender o peso que as mulheres têm na gestão cultural local e qual o seu perfil, com base na sua formação académica. Também interessa apresentar qual a incidência dos partidos/movimentos nas presidências de Câmaras e/ou na vereação do pelouro da cultura cujos cargos são ocupados por mulheres. Neste sentido, foi efetuado um levantamento exaustivo de dados de todos os municípios de Portugal Continental e Ilhas, tendo sido a informação reorganizada e analisada a partir da agregação dos municípios proposta na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. Os resultados revelam que as mulheres estão ainda longe de terem cargos de liderança ao nível das autarquias, sendo que particularmente no que diz respeito aos pelouros da cultura, apenas no Algarve e na Região Autónoma da Madeira ultrapassam os homens nesse cargo. A maioria das mulheres com a vereação da cultura insere-se na área de educação/formação das Ciências Sociais, Comércio e Direito.

Texto de Sara Vidal Maia, Manuel Gama, Cláudia Dominguez, Joana Almada, Rui Vieira Cruz

Contextualização e objetivos

As questões de género encontram-se explicitamente presentes na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, explanadas no ODS 5 – Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas, e atravessam as quatro dimensões temáticas e os 22 indicadores para a cultura na Agenda 2030. Neste sentido, percebe-se que é urgente interpretar a cultura na sua interseção com os estudos de género, particularmente ao nível local, o que formaliza um cruzamento com a dimensão política. E é no âmbito desta tripla envolvência – cultura, género e política – que o Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura da Universidade do Minho (PolObs) iniciou um projeto de investigação que procura lançar um olhar sobre a presença das mulheres nos cargos políticos de poder, de tomada de decisão e de gestão, particularmente na área da cultura, em contexto nacional.

Num momento em que se aproximam as eleições autárquicas (a decorrerem a 26 de setembro de 2021), uma equipa de investigadores lançou-se num estudo que abarca uma das dimensões do referido projeto de investigação e que procura encontrar respostas sobre a presença de mulheres nos cargos de poder político na área da cultura, particularmente ao nível autárquico. Para dar cumprimento a esta dimensão, foram levantados dados sobre todos os municípios do país (Continente e Ilhas), identificando-se os/as Presidentes de Câmara, os/as Vereadores/as com o pelouro da cultura, o perfil académico das mulheres que ocupam o último cargo referido e a composição dos partidos/movimentos nas respetivas Câmaras com mulheres nos cargos de poder.

Metodologia de investigação

Este estudo teve como base uma metodologia que conjugou uma abordagem qualitativa com uma abordagem quantitativa. A recolha de dados – realizada entre 5 e 10 de julho de 2021 – para a análise da presença de mulheres nas autarquias, e o seu peso nos cargos de decisão cultural, teve como fonte de informação o Ministério da Administração Interna (MAI)[1] e os sites oficiais das Câmaras Municipais de todo o país, tendo sido organizados os dados por NUTS II, contendo informação sobre os/as Presidentes de Câmara, os/as Vereadores/as responsáveis pelo pelouro da cultura, bem como o registo da formação académica – e ainda da área de educação/formação[2][3] – das mulheres que ocupavam o último cargo referido. A recolha de dados também agregou os partidos associados às mulheres que ocupam a presidência e/ou a vereação do pelouro da cultura. A organização dos dados permitiu realizar uma análise multipartida, a saber: i) análise dos/as Presidentes de Câmara x género; ii) análise dos/as Vereadores/as com o pelouro da cultura x género; iii) análise das Vereadoras com o pelouro da cultura x formação/educação; iv) análise dos partidos/movimentos das presidentes do género feminino; e v) análise dos partidos que elegeram mulheres para a vereação da cultura.

Presidência das Câmaras e Vereação da Cultura

O gráfico 1 abaixo apresenta o cruzamento entre a distribuição no país, de presidentes de Câmara masculinos (89%) e femininos (11%) versus a percentagem de homens e mulheres na presidência por NUTS II (Açores, Alentejo, Algarve, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Madeira e Norte).

Gráfico 1 – Distribuição nacional de presidentes por NUTS

Pode-se destacar que as NUTS Algarve e Área Metropolitana de Lisboa estão abaixo da distribuição nacional de presidentes de Câmara, do género masculino, com respetivamente, 75% e 83,3%. Por outro lado, as mulheres que ocupam a presidência das Câmaras têm maior representatividade nestas duas NUTS, com respetivamente 25% e 16,7%.

O gráfico 2 abaixo apresenta a incidência de homens e mulheres a ocupar os cargos de presidentes e também de vereadores da cultura representados em cada uma das NUTS.

Gráfico 2 – Distribuição de presidência e vereação feminina por NUTS

É de ressaltar que a presença de mulheres nos cargos de presidente de Câmara está abaixo da distribuição nacional (11%), em quatro NUTS: Açores (10,5%), Alentejo (10,3%); Madeira (9,1%); e Norte (8,1%).

O gráfico 3 apresenta o cruzamento entre a distribuição no país, de vereadores do género masculino com o pelouro da Cultura (54,2%) e femininos (45,8%) versus a percentagem de homens e mulheres na vereação por NUTS (Açores, Alentejo, Algarve, Centro, Área Metropolitano de Lisboa, Madeira e Norte).

Gráfico 3 – Distribuição de vereadores da cultura por NUTS

Análise descritiva da presença de mulheres por NUTS

Na região Norte estão congregados 86 municípios portugueses. Nesta macrorregião, sete mulheres ocupam o cargo de presidente da Câmara e 79 homens detêm o mesmo cargo. 35 municípios possuem mulheres no comando do pelouro da cultura, enquanto 42 têm homens à frente do mesmo cargo. Nove municípios não disponibilizam nos seus sites essa informação.

A NUT II Centro reúne 100 municípios dos quais 11 têm na presidência da Câmara mulheres. O género masculino predomina com a presença de 89 homens à frente da presidência da Câmara. Identificou-se a presença de 47 mulheres nos pelouros da cultura e 48 homens na mesma posição. Cinco municípios não disponibilizam nos seus sites essa informação.

A Área Metropolitana de Lisboa lista 18 municípios. Destes, há três mulheres a ocupar o cargo de presidente da Câmara; em contrapartida, há 15 homens a ocupar o mesmo cargo. Os pelouros da cultura são ocupados por 7 mulheres e 11 homens.

A NUT II Alentejo engloba 58 municípios cuja presença feminina na presidência da Câmara é contabilizada em seis municípios e a masculina em 52. Há 21 mulheres a ocupar o cargo de vereadora da cultura e 33 homens na mesma posição. Quatro municípios não disponibilizam nos seus sites essa informação.

A região do Algarve está estruturada em torno de 16 municípios com a presença de quatro mulheres à frente da presidência da Câmara versus 12 homens no mesmo cargo. Os pelouros da cultura nestes municípios são ocupados por nove mulheres e seis homens. Um município não contém pelouro da cultura na sua estrutura orgânica.

Com 19 municípios, a Região Autónoma dos Açores possui na presidência das Câmaras duas mulheres versus 17 homens a ocupar o mesmo cargo. Cinco municípios têm mulheres no comando do pelouro da cultura e 11 optaram por homens para ocupar o mesmo cargo. Três municípios não disponibilizam nos seus sites essa informação.

A Região Autónoma da Madeira apresenta 11 municípios, sendo que a liderança feminina é observada apenas em um município. Observa-se a presença de sete mulheres no cargo de Vereadora da cultura versus quatro homens na mesma posição.

Formação Académica/ Educação das vereadoras da cultura

De forma a fornecer uma leitura mais sistematizada da informação, os dados relativos a esta temática foram reorganizados de acordo com as áreas de educação/formação do ensino superior de acordo com a Classificação Nacional das Áreas de Educação e Formação[4] e PORDATA[5].

Em todo o país, de acordo com a informação disponibilizada nos sites oficiais dos municípios, há 131 mulheres a ocupar o cargo de vereadora da cultura distribuídas pelas sete NUTS.

Na região Norte, das 35 vereadoras existentes, apenas 23 tinham disponível informação relativa a sua formação. Assim sendo, oito destas mulheres possuem formação na área da Educação; cinco na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito; três na área das Artes e Humanidades; três na área da Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção; duas na área da Saúde e Proteção Social; e duas na área das Ciências, Matemática e Informática.

No Centro, das 47 vereadoras existentes, apenas estava disponível informação relativa a 19. Assim sendo, 5 destas mulheres possuem formação na área da Educação, 7 na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito, 4 na área das Artes e Humanidades, 2 na área da Saúde e Proteção Social, e 1 na área da Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção.

A Área Metropolitana de Lisboa contempla sete vereadoras mulheres, sendo que apenas uma apresentou a informação válida sobre sua formação nos sites dos municípios. Assim sendo, a única mulher tem formação na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito.

A NUTS Alentejo apresenta 21 vereadoras da cultura, sendo que apenas oito mulheres disponibilizaram a informação sobre a sua formação. Assim sendo, cinco destas mulheres possuem formação na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito; uma na área da Educação; uma na área de Ciências Matemática e Informática; e uma na área da Saúde e Proteção Social.

Nove mulheres ocupam o cargo de vereadora da cultura na região do Algarve. Apenas estava disponível, informação relativa a sete. Assim sendo, três destas mulheres possuem formação na área da Educação; duas na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito; uma na área das Ciências, Matemática e Informática; e uma na área das Artes e Humanidades.

No que diz respeito às Ilhas, na Região Autónoma dos Açores, das cinco vereadoras existentes, quatro disponibilizaram informação sobre a formação académica. Assim sendo, duas destas mulheres possuem formação na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito; uma na área da Educação; e uma na área da Agricultura.

E por fim, na Região Autónoma da Madeira, das sete vereadoras existentes, estava disponível informação relativa a três. Assim sendo, uma destas mulheres possui formação na área das Ciências Sociais, Comércio e Direito; uma na área das Artes e Humanidades; e uma na área da Saúde e Proteção Social.

Partidos/movimentos na presidência das Câmaras e vereação da cultura

O gráfico 4 apresenta a relação entre os dados globais nacionais das presidências das Câmaras versus os dados das mulheres a ocupar a função de presidência e/ou vereadora da cultura, em função do partido/movimento político.

Gráfico 4 – Distribuição de totais nacionais por partido/movimento

Ao compararmos os totais nacionais dos partidos/movimentos, percebe-se um equilíbrio em relação aos municípios cujas presidências e vereações da cultura são ocupadas por mulheres. Este equilíbrio só é possível porque há dois cargos ocupados por mulheres (presidência e vereação) a serem contabilizados, contrapondo com os totais nacionais que dizem unicamente respeito às presidências municipais.

Tabela 1 – Distribuição dos totais por partido/movimentos

O gráfico 5 abaixo apresenta a distribuição, por NUTS II, dos partidos cuja presidência e/ou vereação da cultura é ocupada por mulheres.

Gráfico 5 – Distribuição de partidos/movimentos com mulheres na presidência e/ou vereação por NUTS

O PS está presente com percentagem igual ou acima de 50%, em seis das sete NUTS do país: Açores (66,7%); Alentejo (53,8%); Algarve (55,6%); Centro (51%); Área Metropolitano de Lisboa (66,7%); e Norte (50%). A única região em que o PS tem apenas 25% é a Região Autónoma da Madeira onde se nota a presença de outros seis partidos/movimentos.

Gráfico 6 – Distribuição de partidos/movimentos por NUTS II

No arquipélago da Madeira, na totalidade de onze municípios, há presença de mulheres na presidência da Câmara e/ou na vereação da cultura em sete municípios (63,6%).

Conforme o gráfico 6, é de destacar na mesma região que os partidos/movimentos que não têm assento na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira ocupam 25% (Outros) dos cargos do Executivo no que diz respeito à presidência e/ou vereação da cultura ocupados por mulheres.

Síntese

Do total de 308 municípios de Portugal Continental e Ilhas, 274 concelhos possuem homens (89%) à frente do cargo de Presidente da Câmara, contrastando com 34 mulheres (11%) na mesma posição. Em nenhuma região particularmente analisada existem mais mulheres do que homens na presidência da Câmara.

Da totalidade de informação disponível nos sites dos municípios, existem 155 homens (54,2%) a ocupar o cargo de Vereador da cultura e 131 mulheres (45,8%) na mesma posição de poder. Apenas no Algarve e na Região Autónoma da Madeira o número de mulheres com o pelouro da cultura ultrapassa o número de homens com o mesmo cargo: Algarve (60% são mulheres) e Região Autónoma da Madeira (63,6% são mulheres).

Relativamente à área de educação/formação, num total de 65 mulheres que ocupam o pelouro da cultura e das quais foi possível encontrar informação nos sites dos municípios sobre a sua formação académica: 23 (35,4%) inserem-se nas Ciências Sociais, Comércio e Direito; 18 (27,7%) na Educação; 9 (13,8%) nas Artes e Humanidades; 6 (9,2%) na Saúde e Proteção Social; 4 (6,2%) na Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção; 4 (6,2%) nas Ciências, Matemática e Informática, e 1 (1,5%) na Agricultura.

Com relação aos partidos/movimentos, é de ressalvar a existência de um equilíbrio entre os resultados nacionais provenientes dos cargos de presidentes e os parciais referentes às mulheres dos cargos de presidente e/ou vereadoras da cultura. Contudo, este equilíbrio é falacioso uma vez que os tais nacionais representam apenas o cargo de presidência enquanto os totais parciais englobam dois cargos de presidência e/ou vereação, reforçando assim a disparidade entre. Esta análise tornou evidente a dificuldade das mulheres em atingir os lugares de presidência em detrimento dos cargos de vereação da cultura.

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NOTAS

[1] https://www.eleicoes.mai.gov.pt/autarquicas2017/candidatos.html

[2] No caso de formação em áreas distintas, optou-se por considerar o peso do conjunto ou, nos casos mais díspares, o último grau ou formação completados.

[3] Área de educação e formação do ensino superior: https://dre.pt/application/conteudo/572672

[4] Área de educação e formação do ensino superior: https://dre.pt/application/conteudo/572672

[5] No caso de formação em áreas distintas, optou-se por considerar o peso do conjunto ou, nos casos mais díspares, o último grau ou formação completados.