Referencial de Educação para os Media: “Talvez não seja mais fácil… fazê-lo notar”

16 January 2018

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O Referencial de Educação para os Media, um documento orientador para a implementação da Educação para os Média em contexto escolar, foi aprovado em 2014. Que caminho foi percorrido desde a sua publicação? Hoje, este Referencial faz parte da realidade das escolas portuguesas? Que caminho ainda falta percorrer?

Texto de Marisa MourãoLuís António Santos (investigadores do CECS)

Referencial de Educação para os Media. Fotografia de Marisa Mourão

A Literacia Mediática é, atualmente, considerada “uma das condições essenciais para o exercício de uma cidadania activa e plena, evitando ou diminuindo os riscos de exclusão da vida comunitária” (Recomendação 2009/625/CE). O conceito não se prende apenas com o acesso e com o uso, mas também com a leitura crítica dos média e com as competências comunicativas e de produção criativa. Assim, a Literacia Mediática “é a capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de modo crítico os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar comunicações em diversos contextos” (Recomendação 2009/625/CE). Já a Educação para os Média é o processo pedagógico necessário para a promover e a escola um contexto privilegiado para o desenvolvimento dessas competências. De acordo com Pereira, Pinto, Madureira, Pombo e Guedes (2014), “a concretização da Educação para os Media permitirá às crianças e jovens apropriarem-se de instrumentos que os habilitarão a um uso consciente do potencial dos media, assim como dos perigos a que através destes se podem expor” (p. 6).

Em Portugal, em 2014, deu-se um importante passo neste âmbito. Foi aprovado o Referencial de Educação para os Media para a educação pré-escolar, o ensino básico e o ensino secundário (Pereira et al., 2014), um documento orientador para as escolas que propõe o tratamento progressivo de 12 temas: comunicar e informar; compreender o mundo atual; tipos de média; as TIC e os ecrãs; as redes digitais; entretenimento e espetáculo; publicidade e marcas; produção e indústria/profissionais e empresas; os média como construção social; audiências, públicos e consumos; liberdade e ética, direitos e deveres; nós e os média. Para cada tema são apresentados subtemas, um conjunto de objetivos e de descritores de desempenho adequados a cada ciclo de ensino.

Este Referencial surge na sequência “de algumas tentativas de se criarem orientações para as escolas, nomeadamente, para os professores, para que a Educação para os Média pudesse ser uma realidade mais forte nas escolas”, sendo “um ponto importante de uma política que já se vinha a desenvolver e também de uma prática de Educação para os Média nas escolas”, contextualiza Sara Pereira, professora da Universidade do Minho (UM) que integrou a equipa que elaborou o Referencial. Manuel Pinto, professor da UM que também integrou a equipa que elaborou o Referencial, acrescenta que este documento surge num momento em que já se tinham desenvolvido um conjunto de áreas da Educação para a Cidadania, existindo já referenciais noutros domínios.

 

Fazer chegar o Referencial e fazê-lo notar

Logo após a sua aprovação, o Referencial de Educação para os Media chegou a todas as escolas, tendo sido divulgado através do e-mail e estando disponível no site da Direção-Geral da Educação (DGE). Porém, apesar de a tecnologia permitir que o documento chegue mais facilmente, “talvez não seja mais fácil… fazê-lo notar”, pois, como explica Manuel Pinto, depende da vontade e do interesse das escolas, das direções e dos professores. Afinal, “foi enviado para todas [as direções das escolas] como são muitos outros documentos” e “claro que, nalguns casos, terá sido notado, noutros, terá ficado lá no computador”, complementa Sara Pereira.

No seguimento da publicação deste documento, a DGE promoveu dois cursos de formação, nos quais os investigadores foram formadores. Um dos cursos abarcou a zona norte e o outro a zona centro-sul e tinham “o objetivo de formar formadores de professores que pudessem depois replicar esta formação nos seus contextos e, portanto, de algum modo, serem também difusores e mediadores da formação e do Referencial”, refere a docente da UM. Além disso, a DGE também tem promovido encontros anuais de Educação para os Média “e, em pelo menos dois deles, o Referencial foi apresentado”.

Outro momento para fazer chegar o documento aos professores foi a formação promovida pelos investigadores no âmbito do projeto europeu eMEL, durante a qual, como esclarece Sara Pereira, o Referencial foi ponto de partida e de análise.

 

É preciso formar e sensibilizar

“Não temos, neste momento, um levantamento do que tem acontecido no terreno”, contudo, Manuel Pinto lembra que há professores, nomeadamente, ligados à Rede de Bibliotecas Escolares, que fazem do Referencial também uma referência também no seu trabalho.

É precisamente um destes professores que Sara Pereira usa como exemplo para começar a falar daquilo que falta fazer para que o Referencial esteja mais presente. Não esquecendo que “podemos pensar o que falta a vários níveis”, a investigadora lembra que um dos problemas da implementação da Educação para os Média nas escolas é o facto de os professores ficarem “um pouco à espera das diretrizes de cima”, “da direção, ou que seja criado espaço, ou que seja criado um projeto”. Por isso, dá o exemplo de uma participante na formação da DGE e na do eMEL, a qual “achou que já tinha cinquenta horas de formação seguidas naquela matéria e que tinha que meter os pés ao caminho”. Esta ex-formanda é professora bibliotecária e coordenadora interconcelhia, sendo o elo de ligação entre várias escolas da zona centro, pelo que, em consequência da sua ação, existe, agora, nesta zona, um núcleo importante de implementação do Referencial. Neste sentido, falta “cada professor sentir que pode ser um agente por ele próprio da Educação para os Média e fazer algum trabalho nesse sentido”.

Na perspetiva de Sara Pereira, a formação de professores é também fundamental, para que estes saibam como agir, como fazer e também para ficarem sensibilizados para a temática. Manuel Pinto concorda, considerando-a uma questão estratégica. O investigador relembra, todavia, que houve um grande recuo neste domínio, pois “por exemplo, a Universidade do Minho teve, durante vinte anos, formação em Educação para os Média nos cursos de formação de professores, ou quase vinte anos, e, a partir de determinada altura, o Ministério, os governos começaram a definir balizas para o peso de cada área nos cursos de formação de professores e essas áreas tidas por menos importantes, menos centrais foram praticamente expulsas”. Hoje, “curiosamente, em algumas universidades, foram as escolas de formação de comunicadores que pegaram na Educação para os Média”.

Além destas questões mais centradas na própria escola e nos professores, para Sara Pereira, há ainda “um trabalho importante de sensibilização da própria sociedade a fazer” relativamente à importância de se trabalharem estas questões na escola e, dentro dessa sensibilização, uma sensibilização dos pais.

 

Contraciclo do poder político e novas oportunidades

Manuel Pinto recorda ainda que “estamos num contraciclo do ponto de vista do poder político”, porque o poder político “nos últimos 10/15 anos tem remado numa linha, numa orientação que é contrária”. O investigador dá o exemplo do Plano Tecnológico da Educação, cuja linha era muito voltada “para as tecnologias e muito pouco para este trabalho com elas mas para além delas”. E com o governo que lhe sucedeu, “em contexto de crise económica, os cortes foram muito violentos”. O docente lembra que existiam milhares de clubes nas escolas, muitos deles na área dos média, e que a grande maioria desse tipo de iniciativas deixou de existir. “Tudo isso foi muito massacrado e, hoje, as escolas são cada vez mais escolas para notas e, digamos assim, para as aulas, quer dizer, não se concebe uma escola muito mais completa e mais rica”, afirma o docente.

Para Manuel Pinto, há “aspeto que pode vir a abrir um horizonte um bocadinho maior, mais largo para o Referencial”. O professor da UM refere-se à redefinição da política relacionada com a Educação para a Cidadania que houve com este Governo. Em particular, o investigador fala da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, na qual, como explica, são apresentados os diferentes domínios da Educação para a Cidadania organizados em três grupos e a Educação para os Média não está logo no primeiro conjunto de temáticas, às quais é dada prioridade, mas está logo no segundo patamar.

Por outro lado, como alude Sara Pereira, as medidas de flexibilização curricular também poderão facilitar a introdução de áreas como a Educação para os Média. Além disso, tendo em conta uma análise que fez aos programas das várias disciplinas do 12º ano, para terminar, a docente chama também a atenção para o facto de, atualmente, a Educação para os Média estar muito mais presente nesses programas do que estava há uns anos atrás, podendo enquadrar-se em alguns objetivos gerais e até específicos. Deste modo, “um professor, se tiver formação, se estiver sensibilizado para esta questão”, “poderá, hoje, até mais facilmente do ponto de vista formal, no seu programa da sua disciplina integrar esta área”.

 

Referências bibliográficas

Pereira, S., Pinto, M., Madureira, E., Pombo, T. & Guedes, M. (2014). Referencial de Educação para os Media para a Educação Pré-escolar, o Ensino Básico e o Ensino Secundário. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência. Retirado de http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/30320

Recomendação 2009/625/CE, Recomendação da Comissão Europeia sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20 de agosto, Comissão Europeia.