Gerações em Transformação: Educação, Trabalho e Consumo na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal

28 Março 2025

Este projeto analisa as relações entre três gerações da Eurorregião Galiza-Norte de Portugal, nascidas em períodos distintos, no que diz respeito às suas atitudes e processos de integração nos mundos do trabalho, educação e consumo. A investigação baseia-se em estudos anteriores (Duque e Durán, 2017, 2018, 2019, 2022, 2024) e propõe um enquadramento teórico para compreender as mudanças socioculturais que moldaram essas gerações. Os dados serão analisados considerando a pertença de classe, permitindo compreender as continuidades e ruturas na construção identitária de avós, pais e filhos.

Texto de Eduardo Duque

Num território marcado por profundas transformações económicas, sociais e culturais, a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal constitui um laboratório privilegiado para observar como diferentes gerações se posicionam perante os principais domínios da vida social: a educação, o trabalho e o consumo. Partindo do legado histórico comum e das especificidades locais, este projeto visa compreender como avós, pais e filhos se relacionam com estas esferas, revelando, por um lado, continuidade intergeracional e, por outro, mudanças estruturais e simbólicas que contribuem para a redefinição da identidade coletiva.

Ao invés de tratar as gerações como simples cortes cronológicos, o estudo adota a perspetiva de Karl Mannheim, segundo a qual uma geração se constitui pela partilha de experiências significativas num dado contexto histórico. Assim, as coortes nascidas entre 1940-451965-70 e 1995-2000 foram socializadas em momentos muito distintos, o que influencia profundamente os seus valores, atitudes e formas de inserção social.

A educação: entre o privilégio e a desilusão

Para a geração nascida nos anos 1940, a educação era vista como um privilégio ao alcance de poucos. Em plena ditadura, o acesso ao ensino superior era fortemente condicionado pela origem social, sendo que a maioria dos jovens das classes populares entrava cedo no mercado de trabalho, muitas vezes sem completar sequer o ensino básico. Em Portugal, só após a Revolução de 1974 se iniciou uma democratização efetiva do sistema educativo. Ainda assim, o prestígio cultural associado à escolarização fazia da educação uma via desejada — embora raramente acessível — de ascensão social.

A geração de 1965-70 viveu um contexto de crescente expansão educativa. Em Espanha, as reformas do tardofranquismo e, em Portugal, a democratização do pós-25 de Abril alargaram significativamente o acesso à escola. Este processo foi, contudo, ambivalente: ao mesmo tempo que a escolarização se massificava, as expectativas de mobilidade social começavam a desiludir. Os diplomas, cada vez mais comuns, deixaram de garantir um percurso laboral estável. A tensão entre o aumento da qualificação e a limitação das oportunidades de emprego marcou fortemente esta geração.

Já para os jovens de 1995-2000, a educação deixou de ser uma escolha e passou a ser uma imposição normativa. A escolaridade obrigatória prolongou-se e o ensino superior tornou-se acessível a uma parte significativa da população. Paradoxalmente, esta democratização coincidiu com uma desvalorização do capital académico. Muitos jovens, mesmo com formação universitária, não encontram postos de trabalho que correspondam às suas qualificações, o que origina frustração e desmotivação. A promessa de mobilidade social pela via educativa parece, assim, quebrada.

O trabalho: da estabilidade à incerteza permanente

As trajetórias laborais também diferem profundamente entre as gerações. A mais velha valorizava o trabalho como eixo identitário e motor de integração social. O emprego era sinónimo de estabilidade e de dignidade. Na Galiza e no Norte de Portugal, a industrialização trouxe oportunidades, especialmente para os homens, que seguiam carreiras lineares em setores como a metalurgia, a construção ou a agricultura modernizada. As mulheres, por sua vez, viam o trabalho doméstico como missão e destino.

Nos anos 80 e 90, a geração de 1965-70 começou a enfrentar um novo paradigma: o da instabilidade. A entrada no mercado de trabalho coincidiu com a reestruturação económica, o aumento do desemprego juvenil e o aparecimento dos primeiros sinais de precariedade. Se, por um lado, o aumento da escolarização abria as portas a profissões mais qualificadas, por outro, a competição e a segmentação do mercado limitavam a realização profissional. A ética do trabalho persistia, mas era progressivamente desafiada por uma lógica mais utilitária, onde o emprego já não garantia necessariamente segurança ou reconhecimento.

Para os jovens do final dos anos 90, o cenário tornou-se ainda mais volátil. A precariedade generalizou-se sob a forma de contratos temporários, estágios não remunerados e multitarefas. A ideia de uma carreira linear tornou-se quase obsoleta, sendo substituída por percursos descontínuos e exigências constantes de requalificação. Perante este quadro, o trabalho perde centralidade como fator identitário. Muitos jovens atribuem mais valor à flexibilidade, ao tempo livre e à autonomia do que à estabilidade profissional. Esta mudança não significa uma rejeição do trabalho, mas sim a emergência de novas formas de relação com ele.

O consumo: da necessidade à expressão do eu

A evolução das práticas e valores associados ao consumo revela, talvez com maior nitidez, as mudanças geracionais na região. Para a geração de 1940, o consumo era um ato funcional, ditado pela escassez. A poupança era uma virtude e a aquisição de bens limitada às necessidades básicas. O lazer, por sua vez, era residual, subordinado ao dever e ao esforço. Havia uma moral austera associada ao uso dos recursos e à gestão do tempo.

Com a geração seguinte, assiste-se a uma crescente abertura à cultura do consumo. A partir dos anos 80, o acesso a bens simbólicos — roupas de marca, tecnologia, lazer — tornou-se mais generalizado, ainda que desigual. O consumo começou a adquirir um valor identitário, sobretudo entre os jovens das classes médias urbanas. A publicidade e os media contribuíram para esta transformação, promovendo estilos de vida aspiracionais e associados ao sucesso.

Para a geração de 1995-2000, o consumo não é apenas um hábito — é um modo de existência. As redes sociais e a cultura digital potenciaram uma lógica de autoexpressão através do que se consome. O lazer, as experiências, as viagens e os gadgets ocupam o centro das aspirações juvenis. O consumo torna-se um código de distinção e pertença, mais do que uma resposta a carências materiais. Contudo, esta lógica é desafiada por uma realidade económica instável, o que obriga muitos jovens a viver entre a exibição de um “eu ideal” e a frustração de uma condição material limitada.

Entre ruturas e continuidades: identidade geracional em mutação

O estudo das três gerações na Eurorregião Galiza-Norte de Portugal revela um processo complexo de reconfiguração identitária. A geração dos avós construiu-se sob os pilares da ética do trabalho e da valorização da educação como via de emancipação. Os pais viveram a transição entre um mundo industrial e um mundo orientado para o consumo, com ambições de estabilidade e realização profissional. Já os filhos habitam um cenário marcado pela fragmentação, pela incerteza e pela redefinição de valores, onde o consumo e a realização pessoal parecem ocupar o lugar outrora reservado ao trabalho e à educação.

A pertença de classe, transversal a todas as gerações, atua como mediadora fundamental destes processos. As trajetórias de mobilidade social, os sentidos atribuídos à escolarização, ao emprego e ao consumo são profundamente influenciados pelas condições materiais e simbólicas das famílias. Assim, o que para uns representa frustração, para outros pode ser vivido como conquista. A desigualdade, mais do que nunca, marca a forma como as gerações constroem as suas biografias.

Mais do que estabelecer uma oposição simplista entre tradição e modernidade, ou entre passado e presente, este projeto propõe uma leitura situada, que reconhece a complexidade das mudanças sociais e a pluralidade das experiências geracionais. Desta forma, contribui para uma compreensão mais fina das dinâmicas socioculturais na Eurorregião e para o desenho de políticas públicas mais sensíveis às necessidades de cada geração.


Podem consultar as publicações relacionadas com o projeto:

2025: Religion and Ways of Belief and Existence of Two Generations of People: A Qualitative Investigation into the Braga District of Portugal

2025: Experiences and Meanings of the Existence of a Generation of Women. 

2023: Generations and life worlds: the case of Braga in Portugal. 

2018: Trayectorias y actitudes generacionales: temporalidades y actitudes ante la educación, el trabajo y el consumo de tres generaciones de jóvenes españoles y portugueses

2017: Culturas y generaciones. Actitudes y valores hacia la educación, el trabajo y el consumo en tres generaciones de jóvenes españoles