Desigualdades Sociais e Pobreza: notas de um estudo em Celorico de Basto e Cabeceiras de Basto
30 Março 2021
O presente trabalho tem como finalidade demonstrar as desigualdades sociais que atingem grupos sociais vulneráveis em Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto. Pretende-se compreender as relações complexas que se estabelecem entre a pobreza, a exclusão social, as políticas sociais do Estado-Providência e as estratégias dos indivíduos e famílias. Os resultados deste estudem permitem concluir que as condições de vida têm vindo a melhorar ao longo dos anos, favorecidas pelas políticas públicas e pelas estratégias das famílias. Todavia, O estudo demonstra que continuam a ser necessárias alterações de longo alcance, com o acompanhamento das equipas de intervenção social dirigido à capacitação dos grupos que enfrentam situações de pobreza e exclusão social.
Texto de Helena Maria Carvalho (investigadora do CECS)
e-mail: hmsc0804@gmail.com
Introdução
Os fenómenos da pobreza, desigualdade e exclusão social têm sido arena de intenso debate nas ciências sociais. Ao longo dos anos, as formas de estar na sociedade têm-se alterado e, com isso, também as necessidades sociais, o que tem desencadeado múltiplas respostas por parte do Estado, das instituições sociais e dos próprios indivíduos e famílias. Como tentativa de minorar essas situações de pobreza e exclusão social, têm sido implementados mecanismos de apoio social e de monitorização. Nesse sentido, é relevante divulgar os resultados obtidos na investigação “Desigualdades Sociais e Grupos Sociais Vulneráveis – Sociedade, Políticas e Estratégias de sobrevivência em Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto” . Entendemos que as situações de desigualdade, de pobreza e/ou exclusão social devem constituir preocupações transversais a toda a sociedade e não apenas daqueles que se revêm nessa condição, de quem lida com essa problemática no âmbito da sua atividade profissional, ou dos representantes políticos. Neste sentido, o texto resume o processo de recolha e análise de dados que conduzimos junto de beneficiários e também de profissionais que acompanham as respostas sociais a esta população.
1. Pobreza, desigualdades, exclusão social e espaço social
A pobreza é a forma mais extrema da desigualdade social e é a manifestação máxima e visível do fosso entre classes/grupos sociais (Silva, 2008, p.137) e da exclusão social. De difícil definição, a pobreza deve ser avaliada conforme a época e o lugar e em correspondência com padrões médios de vida numa sociedade (Almeida et al., 1994; Costa, 1998, 2012; Paugam, 2003; Silva, 2009). A situação de pobreza implica a ausência e a privação de recursos materiais e, não raramente, conduz também a privação de liberdades e de direitos fundamentais (Sen, 2003, Silva, 2009; Costa, 2012). Todavia, a resolução pontual do problema da privação de bens básicos não se traduz na resolução do problema da pobreza, pois esta implica uma situação multidimensional de privação relativamente a recursos de diversa natureza. (Perista & Baptista, 2010).
As desigualdades são um traço estruturante e transversal das sociedades modernas capitalistas. Sendo múltiplas e complexas, são o resultado e configuram-se em função de uma distribuição desigual de recursos e poder e têm, na maioria dos casos, origem na desigualdade de oportunidades de acesso e distribuição de desses recursos por parte dos indivíduos e famílias (Firmino da Costa, 2012; Costa, 2012; Silva, 2009, 2015; Weber, 1972). As desigualdades geram exigências de cidadania e justiça social e luta de classes e têm, portanto, um efeito negativo na coesão das sociedades e nos direitos e bem-estar dos cidadãos (Rawls, 1993).
Pobreza, desigualdades sociais e exclusão social são três conceitos que se correlacionam, contudo não são sinónimos. Como observa Silva (2009), o conceito de desigualdade social deve prevalecer analiticamente sobre o de exclusão social, pois é mais abrangente e permite analisar o fenómeno da exclusão social. A forma de estar e de viver a exclusão social dependerá de caso para caso (Xiberras, 1993). Também a forma de medir as desigualdades sociais dependerá de contexto para contexto (Firmino da Costa, 2012). Há formas de exclusão social que não implicam pobreza nem desigualdades sociais, “assim como podem existir situações de altos níveis de desigualdade sem pobreza” (Perista & Baptista, 2010, p. 2). Por esta razão, o conceito de exclusão social, ainda que complexo e polissémico, reúne vantagem sobre o de pobreza, quando se trata de analisar as condições socioeconómicas concretas das populações mais vulneráveis, assim como as políticas sociais desenhadas para combater as desigualdades e promover a inclusão social (Xiberras, 2003; Silva, 2009; Costa, 2012).
2. Procedimentos de Recolha de Dados e Discussão dos resultados
Para a realização do estudo, cujos resultados aqui apresentamos, seguimos abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas. A pesquisa decorreu em três fases distintas: primeiramente procedeu-se à aplicação dos inquéritos por questionário, a beneficiários de apoios e respostas sociais, de ambos os concelhos, de diversas faixas etárias e de ambos os sexos, envolvendo um total de 413 inquiridos. Num segundo momento, efetuaram-se 53 entrevistas semi-diretivas, dirigidas ao aprofundamento do estudo do percurso de vida dos entrevistados. Por fim, realizaram-se 10 entrevistas semi-diretivas a técnicos de diferentes instituições, públicas e privadas que beneficiam do apoio do Estado, com o objetivo de identificar e compreender os constrangimentos ao desempenho das suas atividades.
2.1 – Apresentação e discussão dos resultados
A literatura indica que a pobreza e a exclusão social estão associadas a níveis mais baixos de escolaridade. Os dados recolhidos nesta pesquisa são indicativos dessa relação.
Gráfico 1 – Situação face ao (des)emprego ou reforma por Nível de Ensino
Fonte: Inquérito por questionário a beneficiários de Apoios Sociais e Respostas Sociais
Conforme o gráfico anterior revela, 78,2% dos inquiridos possuem um nível de escolaridade igual ou inferior ao 4º ano de escolaridade. A maior parte dos que não sabem ler nem escrever têm 65 ou mais anos de idade, embora 12 pessoas tenham indicado que os seus filhos possuíam já o 12º ano de escolaridade e outras 10 pessoas indiquem que os seus filhos estão ainda em idade escolar. Apenas duas das 53 pessoas entrevistadas referiram ter filhos licenciados ou a frequentar o ensino superior. No que se refere aos motivos que terão levado a que os filhos não prosseguissem estudos, referem que por opção dos próprios, seguido das dificuldades financeiras da família. Estes resultados se, por um lado, decorrem das próprias políticas de educação e do aumento da escolaridade obrigatória, por outro, revelam que a população inquirida, assim como os seus filhos, permaneceram com níveis de escolaridade abaixo dos obtidos pela média da população portuguesa.
A maior parte dos inquiridos (30%), possui entre 16 a 20 anos de experiência profissional e exerce atividade profissional predominantemente no sector agrícola, tendo iniciado esta atividade muito jovens. Relativamente aos entrevistados com experiência profissional, dos 53 entrevistados 25 iniciaram muito novos a sua atividade profissional, frequentemente no sector agrícola: “comecei a trabalhar com 8 anos, em casa e na agricultura” (Alice, 43 anos), “comecei a trabalhar aos 14 anos, na lavoura” (Afonso, 38 anos). Esta situação contribuiu para o abandono e insucesso escolar num contexto social de escassa valorização da formação escolar.
O nosso estudo evidencia a perceção de que houve melhoria nas condições de vida e que a atual geração adulta e em idade ativa desenvolve atividade remunerada que permite a aquisição de mais bens e serviços. Os mais velhos consideram, por isso, que hoje a vida dos seus filhos é melhor do que a que tiveram. Pode-se constatar que ao longo de três gerações alterou-se o tipo de trabalho desempenhado, tendo como consequência positiva melhores condições de vida, com menor esforço físico, havendo quase na totalidade o abandono do trabalho agrícola. Contudo, isso por si só não significa uma vida melhor para a geração atual comparativamente às gerações anteriores e muito menos equivale a alguma forma de mobilidade social efetiva.
A esmagadora maioria dos inquiridos (83%) com pensão declara que esta se situa entre os 301 e os 700€. Entre os que têm rendimento do trabalho, aproximadamente metade aufere um valor inferior ao salário mínimo nacional (530€ aquando a realização dos inquéritos). Do total, 81.9% admite necessitar de recorrer a apoios sociais ou de familiares, mesmo após as transferências sociais. Concluiu-se, ainda, que parte dos sujeitos, antes de usufruírem de pensão ou de integrar uma resposta de apoio de caráter definitivo- tais como Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), usufruiu de Rendimento Mínimo Garantido/ Rendimento Social de Inserção (RMG/RSI). Esta situação confirma os percursos de vida marcados pela pobreza.
Tabela 2 – Tempo de permanência nas medidas RMG/RSI
Fonte: Inquérito por questionário a beneficiários de Apoios Sociais e Respostas Sociais
Um outro dado relevante é o facto de que quem recorre à prestação pecuniária do RMG ou RSI permanecer na medida entre 1 a 5 anos, havendo casos em que crianças e jovens nunca conheceram outro tipo de rendimento dos seus progenitores ou cuidadores legais. Além disso, os participantes desempregados, mesmo sem usufruírem da prestação pecuniária de RSI, admitem já ter recorrido novamente ao pedido de apoios sociais após a sua cessação, por exemplo, quando tenham estado inseridos no mercado de trabalho por um Contrato Emprego Inserção +.
A extinção do posto de trabalho, seguida da incapacidade para o trabalho e, em terceiro lugar, a cessação de contrato laboral constituem motivos imediatos do desemprego. Todavia, as técnicas de acompanhamento de respostas sociais também indicam como motivo as lógicas familiares e sociais que conduzem as mulheres a assumir a tempo inteiro os cuidados com familiares (ascendentes e/ou descendentes). A falta de formação e de competências pessoais e sociais para o desempenho de atividade profissional são também motivos nomeados.
Em suma, verifica-se que a vulnerabilidade à pobreza se mantém e que as medidas destinadas a diminuir os níveis de privação material não evitam que os beneficiários tenham de recorrer mais do que uma vez ao longo da vida às medidas de apoio social. Realçamos que, na sua maioria e apesar das dificuldades e vicissitudes com que se deparam, estes indivíduos afirmam nunca se terem sentido excluídos socialmente por terceiros (30 em 38 entrevistados). Por outro lado, admitem serem os próprios quem, em alguns casos, se põe de parte, se auto-exclui e autocritica por não terem conseguido atingir certos objetivos nas suas vidas. Quando questionados acerca da forma como avaliam a desigual distribuição da riqueza, parte dos inquiridos considera que “não é justo uns terem mais que outros”. Outros dizem compreender essa diferença como justa e natural, fruto do percurso de vida de cada um. Esta é uma atitude reveladora dos efeitos de interiorização e subjetivação das condições estruturais de exclusão, que remetem para o indivíduo a responsabilidade pelo seu insucesso social.
Este é um dado que deve ser considerado na definição e implementação de políticas sociais, uma vez que o objetivo de qualquer intervenção social nesta área é a autonomização do indivíduo e, como mostram os nossos resultados, isso tem vindo a acontecer com pouco significado em ambos os concelhos.
Relativamente ao papel dos técnicos e à sua intervenção, a ideia prevalecente entre os entrevistados é a de que consideram ter um papel preponderante enquanto facilitadores no acesso aos apoios sociais às populações que necessitam. Apesar de ao longo dos anos as expectativas por parte dos técnicos de intervenção terem sofrido alterações, concluiu-se que, no essencial, foram-se adaptando à realidade encontrada e aos problemas e situações que surgem diariamente. O principal constrangimento com que se deparam é a falta ou a escassez de recursos para apoiar as famílias/indivíduos, nas várias dimensões da pobreza.
Outra dimensão estudada tem a ver com a articulação de medidas e de competências entre as entidades do sector público e do sector privado – designadamente do sector social – no que diz respeito aos apoios a populações vulneráveis. Na opinião das técnicas que realizam o acompanhamento das respostas sociais, o sector privado podia ser um parceiro mais ativo, reduzindo encargos para o Estado, contribuindo para a autonomização dos beneficiários/clientes. Não obstante, consideram que ao Estado caberia mais responsabilidade na área social, mesmo delegando determinadas responsabilidades no sector social ou descentralizando operacionalização de programas, através de um acompanhamento mais estrito do trabalho desenvolvido por entidades locais que podem assegurar maior articulação entre os diversos serviços, deste modo contribuindo para uma intervenção mais adequada e individualizada.
Conclusão
Esta pesquisa permitiu aprofundar o conhecimento acerca das dificuldades enfrentadas por grupos sociais vulnerabilizados pela pobreza e a exclusão social, nos concelhos de Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto. Para além da caracterização em termos de escolaridade, trajetória profissional, situação de emprego/ desemprego e rendimentos de trabalho ou pensão, analisámos o recurso a apoios sociais através de uma recolha de dados quantitativa e qualitativa que abrangeu duas ou mais gerações. Os resultados revelam a persistência da falta de oportunidades nestes grupos, demonstrando que o acesso a apoios sociais e a respostas sociais, embora permitam responder a necessidades pontuais, não representam uma oportunidade para efetivamente superar a condição de pobreza. Neste sentido, o estudo demonstra que são necessárias alterações de longo alcance, com o acompanhamento das equipas de intervenção social dirigido à capacitação dos grupos que enfrentam situações de pobreza e exclusão social.
Referências Bibliográficas
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